A puérpera está sendo negligenciada
Nossa sociedade tem passado por cima da puérpera como um rolo compressor. O resultado são mães que brilham superficialmente usando filtros de celular, mas tornam-se opacas internamente. Isso não se dá por serem fracas, mas por ser esta a forma que encontram de fazer o melhor para seus filhos em uma cultura que faz o pior por eles.
Leia o post anterior: Precisamos falar sobre puerpério. Para ter uma introdução sobre a abordagem.
Uma pequena curiosidade
Ao começar a escrever este post pesquisei na ferramenta de palavras-chave da Google (blogueiros entenderão) por PUERPÉRIO. Assim consigo ver qual o volume de buscas são feitas pelo termo e quais outras palavras relacionadas são buscadas pelas pessoas. Vocês sabem que o Google representa a voz do povo, ou a curiosidade deste. Concluindo, a grande maioria dos termos relacionados a puerpério se referem aos aspectos físicos. Poucos termos são relacionados à humanização, que já inclui o emocional envolvido na dobradinha parto/puerpério. E, praticamente nenhum envolvendo o lado espiritual da puérpera.
Refletindo sobre comportamento de busca, percebo uma realidade que, para mim enquanto filósofa e facilitadora parental, é triste. Quando a puérpera busca respostas a dúvidas físicas usa o termo puerpério. Quando ela tem dúvidas (ou necessidades) relacionadas ao emocional/espiritual vai usar termos relacionados as doenças como depressão pós-parto, ansiedade, crise emocional, etc. Desta forma concluo que o aspecto físico do puerpério é preventivo, mas os aspectos emocionais e espirituais são buscados quando já viraram doença.
Precisamos aprender mais sobre os aspectos emocionais e espirituais da puérpera e agir neles preventivamente, antes que se tornem doenças. Principalmente porque sabemos que mãe doente não consegue suprir necessidades físicas e emocionais de um bebê. Bem como doenças emocionais e psiquicas são muito mais difíceis de serem tratadas.
A responsabilidade não é da puérpera
A responsabilidade de conhecer e agir no puerpério não pode ser delegada à puérpera. A esta cabe cuidar do bebê. Embora ela seja a protagonisa do momento, precisa ser cuidada tanto quanto o recém nascido. Quem cuida dela é sua rede de apoio, que envolve os familiares e amigos no aspecto emotivo, mas no contexto político fazem parte desta rede a comunidade que vive ao seu redor. Lembrando que “É preciso uma aldeia para educar uma criança”.
O rolo compressor que atropela a puérpera.
O que tenho visto é que esta fase da vida está sendo totalmente ignorada.
A gestante
Não falamos nem ouvimos falar sobre puerpério. A gestante não sabe do que realmente se trata. Quando muito, ouve falar de questões físicas e que haverá disfunção emocional, muitas vezes sem saber o nome dado ao período. Popularmente ouvimos que ficaremos choronas, teremos alterações de humor e baby blues. De modo geral fazemos pouco caso do processo. Sendo assim, a gestante entra no puerpério sem a menor noção do que está por vir.
A rede de apoio
A rede de apoio não tem conhecimento para aportar a puérpera. Quando falta o conhecimento prevalece a ignorância. Sendo assim, surgem os julgamentos, preconceitos, críticas, falta de empatia e compreensão com a recém mãe.
Sabe qual a maior reclamação/desabafo nas rodas de puérperas? As críticas e julgamentos oriundos das pessoas que devem ser sua rede de apoio.
Cenário da puérpera
O cenário desta recém mãe é:
- Os amigos se afastam para não incomodar e atrapalhar.
- Todos só tem olhos para o bebê.
- Amigos que não tem filhos param de convidar para qualquer programa.
- Amigos com filhos falam mais do que ouvem.
- Parentes de círculo íntimo (avôs e avós) acham que ela não sabe o que está fazendo ( e isso está relacionada a falsa ideia de que crianças não são capazes de fazer coisas e a falta de noção de que filhos crescem e desenvolvem habilidades de fazer as coisas sem auxílio dos pais).
- Marido fica perdido sem saber muito o que fazer no meio desta nova situação.
- Na internet é difícil de encontrar algo sobre o assunto e quando se encontra não explica como lidar com a situação.
Término da licença paternidade
Passado o encantamento dos primeiros dias do bebê acaba a licença paternidade. As visitas diminuem. A puérpera se vê imersa em uma completa solidão, com aquele ser pequeno que ela ainda não aprendeu a lidar.
A solidão pode acontecer mesmo que ela esteja rodeada de entes queridos. O que combate a solidão, neste caso, não é presença física, mas o acolhimento. A nova mãe não sabe falar sobre o que sente, não sabe dizer o que precisa. Sua rede de apoio também não consegue compreendê-la porque lhes falta conhecimento sobre o que realmente acontece no íntimo desta mulher e lhes falta empatia.
Ninguém tem culpa, mas todo mundo tem.
Não estou dizendo que nossa rede de apoio é ruim. Apenas não fomos educados para ter empatia e para apoiar verdadeiramente este momento tão especial e desafiador da vida da mulher. Ninguém tem culpa. Todavia, se quisermos um mundo melhor, precisamos assumir a responsabilidade de sermos a mudança. Precisamos usar a vontade e buscar aprender como lidar com o puerpério de nossa esposa, amiga, filha, neta. Não fazer nada é assumir uma culpa.
Quer uma dica? Passa o link deste artigo para as pessoas que estão convivendo com uma gestante ou com uma puérpera.
Então a puérpera se cala.
O resultado deste processo é uma puérpera que cala suas vozes internas. Que passa por cima de todo o turbilhão de emoções e sentimentos e tenta se convencer que está tudo bem e que “vai passar”. Afinal, é o que lhe dizem: ” É assim, vai passar”. Acontece que dores e feridas não passam sozinhas, precisam ser cuidadas se não deixam cicatrizes e marcas para sempre.
Fim da licença maternidade
Quando começa a se aproximar o fim da licença maternidade, surge novo desafio: a volta ao mercado de trabalho.
Na verdade, muitas puérperas não conseguem “esquecer” o trabalho durante a licença maternidade. Algumas por serem autônomas e por seguirem trabalhando neste período. Outras por terem um medo de “sair do mercado” e perder qualificação. Há ainda o medo real de ser demitidas e não conseguir recolocação pós maternidade. E gente, o número de demissões de mães com filhos menores de 1 ano é muito alto no mercado privado.
Pelo que acompanho, quem mais consegue realmente viver a licença maternidade são funcionárias públicas. Dentro de meu círculo de amizades eu percebo que elas tem mais tranquilidade para curtir o bebê, sem medo de perder seu espaço profissional.
A guerra interna
A puérpera entra em uma guerra interna entre seu lado mãe e seu lado profissional. O instinto materno quer ficar com o bebê a todo custo. E a natureza sabe que este bebê precisa desta mãe e não vai deixá-la afastar-se. Do outro lado, há a profissional que lutou para conquistar seu espaço no mercado e que quer manter este papel. Ora por vontade própria, ora por medo do preconceito de ser “do lar” nos dias de hoje.
Sim, as mulheres da geração Y sofrem preconceito se optarem por não trabalhar para cuidar dos filhos.
Ela sabe o quanto batalhou pela carreira, em um mercado concorrido e machista. Também sabe que precisa contribuir com a receita familiar, ou por que o companheiro não pode arcar com os custos da casa sozinho ou por ser mãe solo.
O resultado é um conflito sanguinário entre manter a carreira e dedicar-se ao filho. Uma constante sensação de culpa por não ser boa profissional e por não ser boa mãe. O conflito de querer estar com o filho, mas achar que não deve pois precisa trabalhar.
A volta ao trabalho
Soma-se a essa guerra interna as cobranças externas do mercado de trabalho. A sociedade de forma geral não é empática com as mães. Quando a mulher volta ao emprego ela mudou, assumiu novo papel, reformulou suas prioridades, está se esforçando ao máximo para ser mãe e para ser profissional. A carcaça é a mesma, mas por dentro temos uma nova mulher. A equipe na empresa não sabe disso.
Outro dia conversei com uma profissional de RH, que trabalhou anos em empresas de porte significativo e nunca tinha ouvido falar do termo puerpério. Então todo ano milhares de mães voltam ao mercado de trabalho e ninguém se preocupa em recebê-las de forma acolhedora. Muitas empresas não respeitam nem o que está na lei. Somos arcaicos.
Não existindo uma política corporativa de boas vindas a esta nova mãe só podemos esperar mais conflitos. A puérpera se sente cobrada em demasia, ao mesmo tempo que achar que precisa dar conta do mesmo que fazia antes. Os colegas começam a achar que ela não está se dedicando tanto, que ela erra mais, que não consegue cumprir metas como antes. A equipe percebe que algo mudou nesta colega, mas não sabe o que, não sabe como lidar com essa profissional que é mãe. Ou seja, nem mãe, nem gestores, nem colegas sabem direito como viver esta experiência.
Resumindo
A puérpera não se sente acolhida em casa, pois não é compreendida e atendida em suas necessidades íntimas. Quando volta ao trabalho, encontra um ambiente hostil. Além disso, ela não pode perder o emprego, porque ninguém contrata mães com bebês.
Vai passar
De qualquer forma essa mãe precisa tocar a vida, cuidar do filho, da casa e manter o emprego. Assim ela “engole sapo”, esconde as lágrimas, coloca panos quentes e segue a vida acumulando dores e sofrimentos.
Acontece que estas dores deixam feridas. E aqui a situação começa a complicar. Pelo que tenho visto, são muitas mães com feridas decorrentes de um puerpério negligenciado.
Não, não passa
Algumas conseguem colocar um “bandaid” e seguir seu maternar com dor mesmo. Outras explodem em crises de stress emocional ou depressão pós-parto. Outras são tão machucadas que desenvolvem falhas de caráter (carência, apatia, dependência, apego, limitações emocionais, amargor, rancor, inveja, etc). Também tem as que optam por apenas sobreviver.
Cada uma vai se defender como pode do descaso que vivem no puerpério. Não existe a melhor ou pior forma, a certa ou a errada. Existe a maneira que cada uma conseguiu sobreviver aos desafios e negligências do puerpério e ainda assim cuidar de seus filhos.
Não podemos julgar nenhuma ferramenta de defesa escolhidas pelas mães. Afinal, indiferente do tamanho dos desafios, das dores e traumas gerados, elas sempre buscam o melhor para o filho. E isso torna a maternagem um processo incrível.
Esperança
Embora o cenário seja desmotivador. Se você está nesta página é porque já tem uma certa consciência sobre puerpério e pode protagonizar um início de mudança. Pode lançar as sementes que vão germinar uma nova forma de lidar com a puérpera. Permitindo que esta viva, de forma plena e integrada, este período tão especial no ciclo de vida feminino. Que possa enfrentar os desafios, com dores e até com feridas, mas que estas possam ser curadas e não fiquem necrosando atrapalhadno o curso da vida.
Se há uma puérpera em sua vida ajude-a. Não com o que você acha que ela precisa, mas com o que ela realmente precisa. Desenvolva a empatia. Busque saber sobre o assunto. Lembre que a ignorância gera preconceito que causa feridas. E só o conhecimento combate a ignorância.
Aprofunde a leitura: Entenda mais sobre os aspectos do puerpério: Físico, emocional e espiritual.
Se você se identificou com estes cenários comente aqui embaixo. Quero muito saber se isso faz sentido para outras pessoas. E se não faz sentido para você, me conte também.