Relato aqui nossa experiência com a adaptação escolar na mudança de creche que fizemos quando o Ben estava com 3 anos. Ele ficou em uma creche dos 6 meses aos 3 anos. Quando mudamos de endereço o trocamos para outra escola. É um relato bem prático de como lidamos com a situação com a base teórica e condições que tínhamos no momento.
Adaptação escolar na primeira infância
Esta semana começamos o processo de adaptação escolar do Ben na nova escola.
Nos dois primeiros dias ele ficou com facilidade. Entretanto, a partir do terceiro dia começamos a ter problemas com a adaptação escolar. Aconteceu o que prevíamos: ele começou a dizer que não queria mais ir.
Nestes momentos nos preocupamos em viver um dia de cada vez, criando alternativas viáveis que minimizem o desgaste e o stress naquele momento. Sempre são fases e elas passam. Só precisamos lidar da melhor forma com elas.
Estratégia de adaptação escolar 1 – Combinados
Neste momento optamos pela estratégia do combinado. Não é muito eficaz aos três anos visto que a criança não tem maturidade para compreender e lembrar do que combinamos, mas já usávamos isso com o Ben, então ele tinha uma familiaridade e nós fazíamos o meio de campo o lembrando e não exigindo tanto do processo. Digamos que fazíamos um “treinamento para os combinados”. E foi legal, porque os combinados eram simples e com isso já introduzimos o conceito, que aos poucos vai sendo entendido e ficando mais complexo.
Não é manipulação, é sentimento real
No terceiro dia, o argumento para não ir à escola nova era que queria ir na antiga ver os amigos. Eles serão ricos em criatividade para fazer o que querem e muitas vezes inventam motivos. É comum acharmos que eles estão tentando nos manipular.
A manipulação
Algumas vezes eles apelam para um motivo que sabe que nos abalam, como o choro, ou uma “chantagem emocional”. Acontece que uma criança de três ou quatro anos não tem maturidade para usar a manipulação, a chantagem e outros recursos desse tipo de forma consciente e racional. Elas reagem com instinto e necessidade de preservação e sobrevivência. Desde bebê sabem que quando choram um adulto vai resolver o problema, então o choro é a primeira alternativa, aos poucos vão construindo outras formas de comunicar suas necessidades.
Mau comportamento é necessidade não atendida
E por trás de qualquer mau comportamento há uma necessidade não atendida da criança. Por isso não é manipulação, mas uma forma limitada de comunicar sentimentos. O motivo que o Ben não queria ir para a escola não era gostar mais da anterior e não gostar da nova. Era claramente insegurança com relação ao novo ambiente, totalmente desconhecido e onde ele estaria sozinho. É importante ver esses sentimentos como válidos na criança e ensiná-la a lidar com eles.
Se não validarmos, a criança não vai reconhecer e muito menos aprender a lidar com eles. Então, no futuro seguirá reagindo instintivamente a situações que despertem o mesmo sentimento. Criando bloqueios. Reconhecer a dificuldade e ensinar recursos para superar é a melhor forma de lidar com a situação.
Uma educação autoritária iria obrigar a criança a ir para a escola a qualquer custo. A educação permissiva, acolheria e faria a vontade da criança que é não ir para a escola. O meio termo é acolher o sentimento, mostrar para que a criança o perceba e oferecer como enfrentar o desafio. Este é o papel dos pais, mediar a aprendizagem.
Voltando ao combinado
Então combinei que ele ficaria na nova na quarta, mas na quinta o levaria para matar a saudades dos amigos na escola antiga.Os pedagogos me falaram que não seria positivo, mas nós achamos pertinente manter o vínculo com os amigos e não apenas ignorar tudo o que ele viveu na escola antiga. Queríamos construir a ideia de que o que passou permanece nas memórias e precisa ser mantido vivo dentro de nós. Segui minha intuição e não a pedagogia.
Na quinta, chegamos na escola antiga e ele chorou que queria ir pra casa (amigos olhando com cara de decepção). O amigão dele chegou a nos dizer: “Vocês não tem que ir trabalhar? Deixa ele aqui pra brincar com a gente“. Depois de um tempo, paciência, algumas lágrimas e uma boa distração ele ficou com os amigos. Chegou em casa super feliz, dormiu super bem e acordou bem disposto no dia seguinte.
Realizamos o combinado, mas vimos que ele estava com sentimentos bem confusos com relação a mudança. Tinha insegurança com o novo e tristeza em voltar ao antigo.
Quinto dia – Estratégia das missões
Eu sabia que ele não iria querer ir na nova escola na sexta, que preferiria ficar em casa. Aí comecei a pensar em uma alternativa eficaz para solucionar o desafio do quinto dia de adaptação escolar.
Não consideramos a opção de deixá-lo forçadamente ou chorando, pois consideramos que é desrespeitoso e violento. Também não consideramos a opção de não ir à escola, pois é desrespeitoso conosco (precisamos trabalhar) e seria permissivo.
A solução teórica é acolher o sentimento, ser empático com a criança, firme e gentil.
- imprimir uma foto da famíla que a escola pediu
- comprar repelente que o dele havia acabado
- levar um adubo de casca de ovos que tínhamos feito dias antes para colocar na horta da escola – isso eu inventei para levá-lo de forma lúdica para dentro do pátio da escola
Cartas na manga
Gosto de ter “cartas na manga” em momentos desafiadores. Dá até para fazer uma lista de opções para consultar de tempos em tempos. A internet está cheia de ideias.
A proposta é criar motivos legais e divertidos para convencer os pequenos a fazer o que precisamos que eles façam e eles, por sua vez, não querem fazer.
A criança pequena não tem o processo lógico do cérebro formado e isso gera boa parte dos problemas de convivência que temos com nossos filhos pequenos. Nós precisamos que eles se vistam, mas eles querem brincar. É hora de colocar o sapato, mas eles preferem correr. Precisam ir para a escola, mas querem ficar em casa. E não adianta explicar racionalmente para uma criança pequena que ela precisa fazer isso ou aquilo pois, elas não tem condições de entendimento. Gritar e fazer a força cria uma ruptura de relacionamento. Imagina você se maquiando para sair e seu marido te interromper, pegar pela mão e tirar de casa com a maquiagem incompleta. Chato não é mesmo? É a mesma situação com a criança.
Eu penso no que preciso fazer e invento algo relacionado que transforme a ação em diversão.
Se precisamos sair de casa, invento missões.
Levar alguma coisa para outro lugar também é motivador por tornar o que é inútil em algo atraente.
A dica é tirar o foco do que ela não quer fazer.
Corridas, missões, desafios, opções, levar algo, fazer algo quando chegar, interagir com a atividade de forma lúdica. No início parece bem difícil, mas depois que pegamos o jeito, viramos especialistas….
Cuidado com a compensação
Vencendo o desafio por etapas
Chegando na escola
Ele estava super colaborativo. Ao descer na escola ficou tenso, pediu colo. Dei e segui com a história: Vamos lá completar a missão, falta pouco.
Na recepção chamaram a professora e ele entregou a foto, ainda no meu colo. O coloquei no chão com o argumento que iria pegar o adubo. Mesmo tímido ele entregou as cascas de ovos e falou o que era aquilo (estava com muita vontade de fazer a atividade, mas inseguro em ficar sozinho na escola). Quis que eu ficasse junto. Então combinei que o acompanharia até a horta.
Um novo acordo
Antes disso eles tinham que ir pegar a colher no refeitório para colocar o adubo. Ele queria que eu entrasse com ele. A forma que resolvemos foi explicar que eu não poderia entrar na sala/refeitório, porque se não os outros amigos iam querer as mães também e iriam chorar, seria uma choradeira tremenda e não teríamos como acalmar todo mundo.
Conversamos, conversamos, conversamos. O que o convenceu a ir com a professora foi que eu ficaria na porta, escondida. Contaria até três, ele pegaria as colheres bem rápido igual o The Flash e voltaria para irmos à horta. Assim aconteceu.
É importante não enganar a criança, nem mentir ou prometer o que não poderá realizar. Porque mesmo que ela não demonstre, saberá que foi enganada e não confiará nas próximas vezes. Você terá problemas com relação ao vínculo.
Realizando a missão
Colocamos juntos as cascas na horta. E ele continuou grudado em mim. Pediu para ir para casa, disse queria que eu fosse junto comer o lanchinho e guardar a mochila. Resumo ele queria muito ficar, mas não queria ficar sozinho, o que é normal.
Conversar
Conversamos muito, reforcei que eu não poderia ficar na sala com ele porque as demais crianças iriam querer seus pais e seria muita choradeira. Voltamos à ideia das missões que sempre são atrativas. Ele teria que guardar a mochila, comer o lanchinho e colar a foto no painel no atelier. Combinei que eu ficaria sentada no banco no pátio da escola até ele concluir as missões e que ele poderia me espiar quando chegasse no atelier. Que depois disso eu iria trabalhar e o buscaria no fim do dia.
Permitindo o choro
Mesmo assim ele não quis e chorou. Então fui dizendo que ele podia chorar. Expliquei que o que ele estava sentindo era insegurança e que chorar ajudava a mandar ela embora. Disse que ele tinha que usar a coragem, porque ele podia vencer a insegurança. Que teria muitas coisas divertidas para fazer com os amigos e não fazia sentido deixar a insegurança o impedir.
Falei algumas vezes para ele me dar o ouvido que queria falar um segredo, neste momento dizia para ele usar a coragem que estava no coração dele. Que ele podia vencer o desafio, que eu estaria junto o esperando, que o entendia, enfim, frases de encorajamento. Tudo isso com pausas e sentindo o que ele precisava ouvir, se funcionava (os olhinhos brilham quando acertamos o que eles estão precisando ouvir) seguia, se não mudava a linha. Até que ele chorou um pouco mais abraçado em mim. Aí levantou o rosto, respirou fundo. Me deu um beijo e um abraço e saiu secando as lágrimas.
Quando passou no pátio novamente, nem me olhou sentada no banco cheio de areia.
Vencemos a adaptação escolar
Vencemos com gentileza, sem ameaças, sem forçar. O que mostra que conseguimos resultados positivos sem apelar para a violência, mesmo com crianças pequenas (3 anos).
Exercitei paciência, criatividade, empatia, oratória e generosidade (dediquei meu tempo). Todas habilidades importantes para qualquer cargo de liderança dentro de uma empresa. Cursos de liderança são caríssimos, ou seja, garanti formação profissional e super economizei.
Já o Ben viu que pode contar conosco, expressar seus sentimentos, que chorar é positivo e ajuda a liberar emoções sem somatizar (na segunda ele ficou super bem na nova escola, mas teve diarréia a noite). Aprendeu autoconfiança, autocontrole, a entender o que sentia e a respeitar suas necessidades. Tudo isso vai nos fazer economizar em remédios, psicólogos, e deixar nossa convivência mais harmônica.
Semana que vem conto mais detalhes desta nossa aventura. E você, teve alguma experiência parecida com a adaptação escolar? Já precisou trocar seu pequeno de escola? Comente aí embaixo sua história e deixe seu conselho.
Ah, e se gostou do texto compartilha e marca aquele seus amigos que também tem filhos e estão tendo desafios semelhantes.