Como gerenciamos o ranço aqui em casa

Quando Ben estava com seus dois anos e pouco começou a ter o que aqui em casa chamamos de “ranço”.

O “ranço” é diferente das crises emocionais (pitis). Aqui em casa chamamos de ranço aquela chatice que assume a mente da criança quando ela tá com fome, sono, cansaço ou tudo isso junto.

Geralmente acontece na hora do banho, de jantar ou ir dormir. É uma reclamação e choradeira motivados pelo cansado, que nos faz perder um tempão e demorar muito mais para ir descansar.

Pausa o ranço e entenda os rótulos

Como eu queria evitar os rótulos e não associar a criança com o estado emocional em que estava, busquei o lúdico e criei o “monstrinho do ranço”. A criança não é o ranço, ela está com ranço. Assim como a criança não é brava, ela está brava. Não somos nossos sentimentos, estamos experimentando eles. O sentimento vem e passa, nós permanecemos.

Quando usamos rótulos, a criança acaba se identificando com o rótulo e passa a ser o que dizemos. Então, se você começa a dizer que a criança é gulosa, bagunceira, briguenta, chata, ela vai assumir que esta é uma característica sua e vai reproduzi-la pela vida. Ao rotular, nós convencemos a criança que aquilo faz parte dela. Quando chegar na fase adulta, vai precisar de um esforço tremendo para se desconstruir deste rótulo e se reposicionar de forma positiva. Se não criarmos o rótulo, ela poderá gastar a vida desenvolvendo coisas mais úteis. Sacou?

Aqui em casa tentamos ao máximo evitar o rótulo e mostrar que o mau comportamento não faz parte da nossa essência, mas é algo que acontece algumas vezes e nós podemos reverter. Não dizemos que a criança é chata, chorona, gulosa, mal educada, bagunceira, pois ela não é isso, ela pode estar assim, por algum motivo, mas sua essência é boa, pura e luminosa. O mau comportamento é sempre uma consequência de alguma dificuldade da criança e é papel do adulto compreender para ajudá-la a superar.

Rótulo positivo também é negativo

Outro detalhe sobre os rótulos: o rótulo positivo também pode ser ruim para a criança. Se você diz que uma criança é muito inteligente, organizada, quietinha, bonita, ela vai assumir o rótulo e talvez se cobre muito para manter esse papel. Assim, uma dificuldade de aprendizagem pode se tornar algo muito estressante e ela pode desenvolver uma fixação exagerada pela aparência. Para evitar rótulos positivos, entra o que na disciplina positiva chamam de ” elogios descritivos”.

Voltando ao ranço

Foi então que passamos a nomear o sentimento como ranço para podermos ensiná-lo a combatê-lo. Assim criamos o monstrinho do ranço.

Vou contar como eu introduzi a história.

Um dia em que ele chegou cansado perguntei: Ben, você sabe o que é o ranço?
Ele mordeu a isca (curiosidade infantil) e perguntou: – o que?

Então expliquei:

“O ranço é um monstrinho invisível que às vezes gruda na gente e nos deixa chato. Quando nos descuidamos, ele chega pelo pé e nos faz reclamar e achar tudo ruim. Se não percebermos que ele chegou, o ranço sobe pelas pernas e chega até o coração. Aí ficamos brabos, briguentos. E quando o ranço chega na cabeça, aí ferrou, começa a choradeira. E ninguém nos entende mais.”

Nessa época ele já se comunicava super bem, então eu podia conduzir o assunto sem deixá-lo assustado e estressado. Assim ele me perguntava sobre o ranço e eu respondia.

A ideia não é um monstrinho que ameça a criança para gerar medo. Coisas do tipo: “o ranço vai te pegar” não existem. Se por um acaso a criança ter medo, precisamos reverter.

Eu dizia: Olha, esse comportamento aí não é o Ben queridão que está tendo, é o ranço que tá no teu pé. Vamos mandar ele embora? Fala assim: “Xô ranço! Vai embora! Larga do meu pé!” E sacudia o pé ou fazia um gesto com as mãos.
Outra situação era: Ben, o ranço tá chegando, tô vendo ele aí grudado em ti, se não mandarmos ele embora vai chegar na cabeça e dar choradeira! Vamos mandar ele embora e ficar feliz para fazer o que precisamos?

Um momento ele começou a perguntar porque não via o ranço. E respondíamos que o ranço era um monstrinho invisível, não víamos, só sentíamos.

Logo ele assimilou a proposta e quando dizíamos que o ranço estava na área ele dizia “xô ranço! Sou legal! Vai embora!” Evitava a choradeira e fazíamos o que tinha para ser feito. Sempre de forma lúdica e divertida.

Outras aplicações

Depois de um tempo apareceu a amiga do ranço que era a teimosia. Também expliquei o que era, quando acontecia e mandávamos ela embora quando parecia conveniente.

Enxergar para combater o inimigo

Aqui em casa funcionou muito bem.
Quando os monstrinhos chegavam ele podia os mandar embora. Não desenvolveu medo, nem sentiu-se ameaçado.
Nós sempre ajudávamos a mandar o monstrinho embora, nunca o deixamos sozinho. Ajudá-lo a combater os monstrinhos era uma missão da família. É importante que a criança tenha o apoio dos pais para compreender o que está acontecendo e superar. E algumas vezes (quando o orgulho deixava) nós assumíamos que estávamos com ranço. Afinal, somos adultos mas somos humanos e essas coisas não acontecem só com as crianças.

Essa história foi uma forma lúdica e positiva de evitarmos brigas, choradeira na hora de fazer coisas chatas do cotidiano e era uma forma de o alertar quando estávamos começando um comportamento ruim que iria gerar stress.

É muito melhor do que brigar, xingar, colocar de castigo. E o legal é que a criança começa a perceber o comportamento e a gerenciá-lo, na sua medida. Ás vezes demorava para o ranço passar, às vezes não passava, mas ele tentava lidar com o sentimento, tentava controlar a emoção para a atividade fluir, tudo por esforço próprio e não para nos agradar.

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