Deixa chorar. O valor do choro na infância

Chorar, sim, é isso mesmo, deixe chorar. Criança precisa do choro, adulto necessita chorar, mães, homens,  o ser humano precisa chorar. Faz parte da vida. O que não faz parte é engolir as lágrimas e esconder os sentimentos.

O instinto de calar o choro

Quando uma criança chora temos uma vontade louca de fazê-la calar a qualquer preço.

É aquele velho hábito de distrair a criança, dar um doce, chantagear:  “Se parar te dou um doce”.
Alguns falam enlouquecidamente nos ouvidos da criança, fazem perguntas completamente fora de contexto, balançam qualquer coisa ou lhe dão qualquer objeto. Outros, menos tolerantes, dão voz de comando: “Não chora”, “Engole as lágrimas”, “Homem não chora”, “Para de chorar se não vai apanhar”, “Nem doeu”, “Já passou” e todos os bloqueios do gênero. Tudo para calar o choro a qualquer preço.

Criança chorando é devastador para os ouvidos de quem é mãe, bebê chorando é desesperador. É como se nosso cérebro ficasse 90% alocado naquele choro e 10% pensando em como se livrar do choro para seguirmos vivendo. É aí que a vida nos convida a exercitar a consciência (nossa inteligência/sabedoria).

Deixa chorar – www.freepik.com/sxc

Por que choramos

Talvez um dos motivos para não suportarmos ver uma criança chorar venha, justamente da sabedoria da natureza, que nos deu esse desafio para nos ajudar a agir quando um ser, mais vulnerável que nós, precisa de apoio. A criança manifesta necessidade pelo choro, e nós não conseguimos ignorar esse choro (pelo menos não deveríamos). Mas a natureza, ao nos dar esse “dom” (não sei se é o termo certo), não nos convida a calar a criança a qualquer preço, isso faz parte da nossa descultura humana. O convite é para acolher essa criança, a educá-la.

E se não usamos uma dose alta de consciência, vamos fazer de tudo para calar o choro, não por dó ou pena da criança, mas por que não suportamos ouvi-la chorar. Não usando a inteligência não estaremos educando a criança, mas exercitando uma falha de caráter nossa.

Razões do choro

Se a criança ou alguém chora é porque precisa liberar essa emoção. Não existe choro sem motivo. Pode acontecer de não sabermos o motivo, mas que há, isso há. Se a criança caiu de leve e chorou é porque ela se assustou, ficou frustrada por cair, machucou, sentiu dor. O choro é sua forma de liberar essa energia e seguir brincando. Tanto que eles choram e logo seguem a brincar.

Nós, quando chutamos a quina do armário, gritamos de dor ou falamos um palavrão e fazemos questão que outro veja que sofremos. Quando a criança cai dizemos que não foi nada, que não precisa chorar. Seria a dor dela menos importante que a nossa?

Toda vez que não choramos, que não liberamos a energia da dor ou frustração vamos somatizar e a emoção se transforma em doença, carência e outras cracas que só atrapalham a vida.

Podemos e precisamos deixar nossas crianças chorarem quando quiserem. Precisamos aprender a acolher esse choro e não bloqueá-lo.

Se caiu, bateu, machucou, sangrou ou não, deu galo ou não, aquilo doeu física ou emocionalmente, e merece o choro para liberar essa tensão, esse stress. O choro será proporcional e durará de acordo com a tensão causada. Depois de liberado, partiu nova ronda de experiência.

Se se assustou, frustrou, não foi como a expectativa, vale chorar, gritar, se jogar no chão para liberar toda a “tranqueira” de emoções que gerou. Feito isso, passa e segue a vida.

Não há problema em chorar

Não há problema em chorar mas em chorar sozinho, sem ser acolhido ou ser forçado a calar o choro com as frases que citei lá em cima.

Se caiu e chorou é porque tá doendo. Chegue junto, fique perto, dê o apoio que ela precisa para levantar, ajude-a a manter a calma, perceber o tamanho do problema, buscar a sua própria cura, experimentar a superação da dor que é o processo natural. E isso vai ensiná-la a cair, levantar e seguir adiante, pois seu tombo foi respeitado, ela sabe que faz parte da vida cair e que não está sozinha, que indiferente do tamanho do problema tem pessoas junto dela em quem confiar. E todos esses valores que entregamos à criança, ela vai acolher e poder reproduzir.

Se chorou por crise emocional, o que chamamos de “Pitis”, também podemos acolher, ajudá-a a liberar a tensão com ferramentas apropriadas ou estando junto até passar a crise. Em alguns casos até conversando depois sobre o ocorrido.

E os adultos?

E nós adultos devemos reaprender a chorar sem culpa, sem nos sentirmos fracos ou perdedores. Chorar nos faz forte, faz parte do processo de evolução. Às vezes temos vontade de chorar sem motivo aparente, só para liberar dos sapos que engolimos, das dores que sentimos. De todas às vezes que colocamos máscaras de ferro para engolir frustração, decepção, dor e injustiça. Do fardo que é parecer super humanos inabaláveis. Coisa que não somos. Somos só humanos, com todas as potencialidades e fragilidades da nossa condição. Precisamos reaprender a viver isso de forma natural. Os Gregos lidavam com isso com a tragédia e a comédia. Nós escondemos às nossas tragédias e comédias fazendo de conta que somos super humanos, ou nos apegando e agindo como eternas vítimas.

Ao reconhecermos o valor do choro da criança, ao perceber como elas lidam normalmente com o choro, sem drama, podemos aprender a reconstruir nossa relação com o chorar e com as emoções que guardamos dentro de nós por convenção social.

Como lido com isso aqui em casa?

  • Uso o “mantra” DEIXA CHORAR, CHORAR FAZ PARTE.
  • Quando o Ben chora chegamos perto e tentamos abraçar, exceto quando ele está muito brabo.
  • Se machucou, ensinamos ele a respirar profundamente para a dor passar, que é um recurso utilizado nas linhas de medicina natural/oriental e na arte marcial e yoga.
  • Ensinei ele a respirar desde pequeno falando: “Cheira a florzinha, sopra a velinha”. Com dois anos, eu começo a respirar fundo e ele vai imitando, meio que a contragosto, mas dá umas respiradas e vai acalmando.
  • Oferecemos o que considero o “preventivo universal de mazelas” que é a água, em forma líquida ou gelo. É uma forma de mostrar o valor desse líquido precioso que deixamos em segundo plano.
  • Por vezes é uma questão apenas emocional então ficamos perto, damos colo, observamos, tentamos entender o que ele sente e ajudar para que ele perceba o que está acontecendo e esperamos passar junto com ele. Depois que passa, segue a vida.
  • massagear ou por gelo também é um recurso que ensino para que ele aprenda a saber o que fazer com as dores.
Claro que seguido falo: “não foi nada”, “já passou”, mas quando percebo peço desculpas e me corrijo: vai passar, doeu mesmo, mas vai passar, vai dar um galo, vamos cuidar, etc.

E você, como lida com o choro das crianças? Consegue ser mais racional e menos instintiva? Observar e acolher? Perceber quando calou o choro e quando acolheu?
Comente aqui como faz para lidar com isso e contribua com essa reflexão.

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