Dia D – vacinação e cenas de filme de terror

No último mês aconteceu a campanha nacional de vacinação contra sarampo. A pediatra me orientou que todos devem ser vacinados, incluindo adultos. Então fomos todos ao posto.

Neste dia estavam sendo vacinadas crianças de 1 a 5 anos.

Pegamos a ficha e sentamos. Esperamos entre 5 ou 10 minutos ouvindo crianças aos berros e choros assustadores e desesperados. A única coisa que pensava naquele momento é em como tranquilizar uma criança diante daquela choradeira toda. De qualquer forma explicamos ao Ben que a vacina dói um pouco, mas logo passa

Quando nos chamaram entramos com duas crianças no colo procurando o livrinho de vacinas na bolsa da Flora. Era uma sala pequena, com várias enfermeiras e camas dessas de posto de saúde. Crianças chorando ou com cara de assustadas e pais sem saber muito bem onde parar devido a falta de espaço.

Uma enfermeira nos explica que só seria feita a vacina no Ben e diz para aguardar.
Não há abertura para dúvidas e perguntas sobre as vacinas.  Logo outra grita: “Próximo!” aponta uma maca e vai dando instruções muito rápidas que mal consigo acompanhar. Colocamos o Ben sentado e vamos conversando com ele da forma mais gentil e ágil que conseguimos. O clima é de “não tem tempo pra conversa, temos que vacinar toda essa gente”. Nem bem coloquei ele na maca e a enfermeira já tinha uma agulha em mãos ao lado dele. Claro que não conseguimos conversar com ele sobre o procedimento como geralmente fazemos.

Falo rapidamente: – Ben ela vai dar a picadinha agora! – e logo tudo acaba. Ele é tirado da mesa para a entrada da próxima vítima criança que já está ali esperando com cara de espanto.

Com quem estamos lidando?

Olhando com nossa cabeça materialista e ágil não vemos problema. Mas se lembrarmos que estamos lidando com crianças sensíveis que ainda não entendem a maluquice que é o mundo adulto, vamos ver o quanto estamos sendo inadequados.

Crianças precisam de ambientes calmos e tranquilos onde se sintam seguras. Não temos como oferecer isso com crianças gritando ao fundo.

Crianças devem ser preparadas quando precisam passar por situações de stress. E para isso precisamos de tempo e espaço. Não dá para prepará-las em segundos em uma linha de produção desenfreada. O ritmo da criança é diferente do nosso ritmo e deveria ser respeitado.

Exercício de empatia: Coloque-se no lugar da criança, esperando para um processo que ela sabe ser dolorido, ouvindo e vendo outras crianças chorando por todos os lados. Os gritos saem da sala que ela irá entrar. Há cheiro de medo no ar.  Uma cena de filme de terror né? Mas é vida real.

Elas estão dando seu melhor. E nós?

E essas crianças nos obedecem ainda. Somos, ao mesmo tempo porto seguro e carrascos. Isso é prova de amor delas por nós adultos. Nossas crianças nos amam, apesar da nossa falta de jeito.

Nossas crianças já saem de casa meio apreensivas pela carga que a palava VACINA/AGULHA já tem. As vezes nós mesmos colocamos esse medo nelas com ameaças do tipo: “se não por o casaco o médico vai lhe dar injeção”. Elas chegam e percebem uma cena de horror com criança chorando por todo lado. Entram em uma linha de produção, sem amparo, sem pausas, sem tempo para ter calma e tomar coragem. São furadas por um estranho, por motivo que elas não compreendem muito bem. Choram e quando saem ainda são xingadas.

O que não devemos falar

Sim, nos 30 minutos que ficamos no posto ouvi coisas do tipo:
– Para que chorar tanto?!

– Não vai doer!
– Tu não é um homenzinho? Não pode chorar!
– Olha quanto escândalo!
– Não precisa chorar!
– É muito escandalosa mesmo! Que vergonha!

– Não doeu tanto assim!

Não é homenzinho, é menino. Mas antes disso é uma criança, e muito antes ainda é um ser humano. E ser humano chora, é natural, faz bem. Não podemos incentivar nossas crianças a não demonstrar sentimentos. Isso será um fardo para elas quando adultas. Até já falei um pouco disso no post Deixa Chorar!

E por que cobrar de uma criança que não chore se esta é uma das principais formas de comunicação de seus sentimentos? Meninos e meninas choram quando tem sentimentos negativos e não tem motivos para impedir que eles o façam. Isso gera doenças.

Por que eles choram tanto? Porque não foram preparados para o que ia acontecer. Porque não demos um espaço seguro, acolhedor e não respeitamos seus medos, receios e sentimentos no processo todo. A elas só resta chorar de medo, tensão, stress e frustração.

Sim, vai doer e não temos como definir o quanto foi dolorido para cada criança. Cada pessoa tem sua própria sensibilidade para dor. Se uma experiência é dolorida para alguém não temos que julgar, mas acolher, ajudá-la a superar, sermos gentis.

E somos tão carrascos que pegamos aquela criança que nos ama e nos tem como referência de segurança. Levamos para uma situação desafiadora, oferecemos um ambiente hostil e no fim a xingamos porque ela chora. É para termos certeza absoluta que essa criança realmente está se sentindo mal? É para ter certeza que ela vai sofrer e associar vacina e procedimentos de saúde como algo negativo? Meio loucura isso não?

O impacto

Imagina isso tudo impactando na psique da criança, de bebês. Lembrem que a vacinação ia de 1 a 5 anos. Imagina o que elas absorvem de negativo do mundo em que vivem nesta experiência. E elas absorvem isso sozinhas, pois não podem contar com o “seu adulto” para ajudá-las, pois ele desdenha, não dá importância ao seu sofrimento, é desequilibrado e age de forma ríspida e sem companheirismo, sem amor.

Quando lidamos com nossoas crianças, precisamos pensar, observar nossas ações para que elas aprendam o que realmente importa e não para criarmos experiência negativa, traumas e neuroses desnecessárias. Principalmente quando estamos falando na primeira infância, a fase de maior aprendizado sobre o mundo.

Saí de lá bastante frustrada e se fosse criança acho que sairia aos prantos, não pela dor física da picadinha, mas pela dor emocional de tanta falta de carinho. Mas também saí feliz, pois o Ben saiu-se muito bem em meio a cena de terror. Quer saber mais? Veja o post: Preparando a criança para a vacina

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