Sou Autodidata e você?

Autodidata significa a capacidade de aprender sozinho. Eu me considero autodidata e tenho tido algumas experiências e reflexões sobre o assunto que acho importante compartilhar com o público parental para que os próprios pais expandam sua visão de potencialidades e para que permitam que seus filhos permaneçam autodidatas.

O autodidata possui mestres

O primeiro ponto que quero destacar, e ir contra o conceito comum, é que ser autodidata não significa exatamente aprender sozinho, sem mestre, sem professor, sem instrução. Até porque não temos como eliminar esta relação. Sempre aprendemos algo com alguém ou com alguma coisa. A aprendizagem é, necessariamente, uma relação de troca.

A aprendizagem é protagonizada pelo autodidata. Ele assume o papel principal e é o responsável pelo seu desenvolvimento. Ele tem mestres, mas ele não depende dos mestres.

Por isso que ser autodidata não precisa ser limitado ao não aprender em uma escola. Você pode ser autodidata em sala de aula, assim como é viável ser empreendedor como funcionário. São qualidades que você desenvolve e aplica no ambiente que estiver.

E tendo consciência do conceito e refletindo sobre nosso próprio processo de aprendizagem conseguimos identificar quais ferramentas e recursos precisamos para aprender. O que as vezes vai envolver mais ou menos contato com o professor, um número maior ou menor de horas de dedicação, reunir um grupo de estudos ou ler sozinho um livro. A forma de aprender será diferente para cada um e para cada assunto, pois depende de sua vocação e interesse. As coisas que lhe interessam e você tem facilidade saberá mais naturalmente, e terá assuntos que lhe são mais difíceis e menos interessantes, onde saberás menos. O que não te faz mais ou menos inteligente, mas respeita as habilidades e diferenças de cada um.

Precisamos sair da Idade média

Temos uma confusão de entendimento sobre educação. A partir da idade média nos convenceram que os mais favorecidos intelectualmente “enfiavam” conhecimento nos menos favorecidos. E que nem todas as pessoas tinham condições de aprender, ou seja, nem todos os homens eram inteligentes. E essa relação e pensamento medieval permanece até hoje.

Mantemos o mito de que algumas pessoas não são inteligentes. Temos vergonha de sermos inteligente, de nos “gabarmos”, de sermos vaidosos e querer nos mostrar superior aos outros. Esses comportamentos também foram promovidos durante o medievo. Onde era feio, pecado, ser melhor, porque assim se mantém a maioria da população limitada a ignorância, não se desenvolvendo e fica fácil impor qualquer ideia maluca que favorece quem já é favorecido sem ser contestado. Quem se destacava em conhecimento era queimado como bruxa. Até os livros com conhecimentos antigos foram queimados. Existiu um esforço para a manutenção da ignorância. E agora precisamos de um novo esforço para promover a sabedoria e sairmos dessa idade média moderna em que vivemos.

Ser inteligente é bom

Inteligência, sabedoria, buscar saber, ser curioso, desenvolver-se são virtudes. Não faz sentido ter vergonha, esconder, não valorizar isso tudo. Existem dois rótulos nas escolas que é o Nerd e o CDF. Ambos são negativos. Ninguém quer ser e quem é taxado sofre bulling. Depois surgiu ainda o Geek, que é um nerd modernete mais aceito na sociedade. Porém, pare ser nerd precisa ser inteligente, mas para ser geek precisa gostar de games e história em quadrinho, a inteligência fica disfarçada pelo jeito “cool” de ser.

E esse processo vai afastando a criança da virtude da inteligência. Ela perde a vontade de ser melhor, desenvolver e se identifica com o médio, com o mínimo para passar de ano, não ser ridicularizado e não se destacar. O que é um problema quando ela chega ao mercado de trabalho. Onde há uma cobrança de desempenho assombrosa para a qual ela não está preparada. A vontade de aprender que é afogada na infância, passa a ser exigida no desenvolvimento profissional. E aí, sem a base, se cria uma competitividade tóxica e compensatória onde não buscamos nos desenvolver (porque desaprendemos) mas sim reduzir o outro (arma instintiva de mecanismo de defesa – paralisar, fugir, atacar). E aqui está uma das bases dos problemas relacionados ao trabalho: violência e depressão.

Educar

Educar não é colocar conhecimento, mas tirar, extrair o que já está no ser humano. Não nascemos vazios, ocos e precisamos ser preenchidos. Nascemos cheios de potencialidades que precisam ser colocadas para fora, transbordadas. Educar é isso. O professor precisa tirar e não enfiar. Extrair o potencial de cada um é educar. Impor conteúdo é promover a ignorância, limitar a evolução da humanidade, é violência.

Potencial do autodidata

Eu acredito que todo ser humano é autodidata. Nascemos com essa virtude. Dizem que se colocarmos o bebê, logo após o parto sobre a barriga da mãe ele vai se arrastar sozinho até encontrar o seio para se alimentar. O bebê se desenvolve sozinho desde o nascer até o caminhar. Não precisamos estimular, pelo contrário, precisamos apenas não atrapalhar. A mãe não precisa deitar ao seu lado de barriga para cima e mostrar como faz para virar. Nem para sentar, muito menos para ficar em pé. O bebê se descobre.

E isso segue nas fases da infância. As descobertas de cada idade, os testes, a curiosidade infantil de querer mexer e entender tudo, de perguntar por que o tempo todo. De se jogar no chão frustrado e aos poucos ir compreendendo como lidar com a frustração.

A criança se autodesenvolve sozinha observando o meio em que vive. Ela observa os mestres e a natureza mas protagoniza seu desenvolvimento.

O autodidata não é melhor que ninguém.

Quando eu falo que aprendo sozinha, as pessoas me olham com admiração, como se eu tivesse uma habilidade extra. Geralmente seguem comentários como: “Nossa, admiro quem é autodidata”, “Nossa, eu não consigo”. “Tem que ter disciplina”. Enfim, essa habilidade é vista como fora do normal. Quando não é.

Me é sabido que todos tem plenas condições de protagonizar sua busca do conhecimento. De aprender por si só. E fazemos isso no dia a dia. Porém quando queremos aprender um assunto específico, ou mais acadêmico, nos iludimos com aquela ideia da idade média que diz que não somos capazes e dependemos de um professor que coloque violentamente o conhecimento dentro da nossa cabeça, pois somos incapazes de fazer por nós mesmos.

A maioria das pessoas aprende a cozinhar suficientemente bem sem frequentar aula. Não frequentamos aula para aprender a limpar a casa. Não há aula para coisas comuns do dia a dia, aprendemos por protagonismo.

E então…

Então por que nos convencemos que não podemos fazer o mesmo com as outras áreas? Com os demais assuntos? Claro que tem coisas mais complexas e que precisam de mais horas de estudo, mais dedicação, treino, ambiente especializado. Então precisamos de escolas, academias, bibliotecas, laboratórios, centros esportivos, salas de pintura, ambientes que permitam o aprender. Aprender exige dedicação, mas qualquer um que dedique tempo em ambiente propício, vai aprender. Talvez não se torne um gênio daquilo, mas vai aprender.

Confio que todos podem aprender sozinhos e que se derrubarmos a ilusão contrária daremos um salto de qualidade no desenvolvimento humano. Por que ao invés dos professores puxarem os alunos, os alunos caminham com suas próprias pernas e o professor só aponta o caminho. Mais protagonismo ao aluno e menos carga mental para os professores (que estão adoecendo, porque não dá para puxar todo mundo).

De onde tirei essas ideias?

Eu sempre fui boa aluna. E nunca precisei estudar muito. Tanto que quando precisei, não sabia estudar. Sempre aprendi que tinha que tirar nota boa na prova, mas nunca fui ensinada a aprender. O que é insano.

Minha família nunca teve muito dinheiro, então eu não podia sair fazendo cursos a varrer. A solução era aprender o que queria sozinha. Eu ia pegando o que aprendia na escola, procurava livros na biblioteca, revistas, e assim fui aprendendo.

Depois que a internet bombou, a vida ficou mais fácil. Porque tem vídeo e texto sobre tudo e fazendo um mix se consegue uma boa base de conteúdo e depois se consegue experimentar e aperfeiçoar. Foi assim que aprendi fotografia, macramê, crochê, plantar, educar filhos. Também foi assim que aprendi tudo que sei sobre marketing digital, edição de foto, vídeo, escrita criativa e autoconhecimento.

A escola e faculdade me deram uma base, uma orientação de que as coisas existiam e funcionavam mais ou menos assim, mas o desenvolver de cada coisa que gosto eu sempre fiz sozinha. Claro que fiz alguns cursos que me ajudaram a acelerar o conhecimento, mas eu sempre protagonizei, ou os vivi de forma ativa. O curso me dava 20% de conhecimento e eu corria atrás dos outros 80%.

Dá para ser Autodidata na aprendizagem de idioma estrangeiro?

Eu nunca tinha me dado conta do valor deste processo até vir morar na Alemanha e começar a estudar alemão, um língua que eu não conhecia absolutamente nada. Eu acreditava ser impossível aprender idioma sozinha, principalmente sem conhecimento prévio algum. Ao mesmo tempo que eu nunca me adaptei às dinâmicas das aulas de idiomas. Eu não gosto, não consigo acompanhar, não aprendo. E queria muito aprender alemão, mas não estava muito convencida de fazer um curso tradicional. Aí, veio a pandemia de 2020 e os cursos de idiomas foram cancelados. Então comecei a estudar em casa, para ir tendo uma base, até poder me matricular de novo.

Foi aí que percebi que sim, dava para aprender idioma sozinho. Que há muitos recursos para apoio do estudo de línguas muito mais eficientes que apenas frequentar a aula. Foi então que comecei a refletir sobre o processo e cheguei as ideias deste artigo.

Acabe com a ilusão

Precisamos eliminar a ilusão de que dependemos de um curso ou professor para aprender. Só assim vamos assumir nossa responsabilidade e protagonismo. E esta postura de vida é fundamental para evoluirmos e educarmos. Precisamos protagonizar a experiência de vida e assumir as rédeas de nosso desenvolvimento. As pessoas “de sucesso” ou “bem resolvidas” já fazem isso, observe. Mesmo que as vezes não se dão conta. E é bem provável que você também já faça, sem perceber. Por isso que estou escrevendo, para que você traga para a consciência e potencialize essa habilidade.

Quando assumimos que somos autodidatas começamos a ir atrás das coisas, das soluções, de ferramentas, de orientação. Despertamos mais vontade, autoconfiança, melhoramos a autoestima, desenvolvemos nossa forma de aprender, nosso ritmo, nossa própria linguagem. Aprendemos sobre nós e aí conseguimos desenvovler melhor a aprendizagem.

Nos cursos de idiomas eu vejo muita gente reclamando que o professor não é bom, ou o método. Mas como estão presos aquela escola e aquela turma, se limitam a aceitar e aprender. E quantas vezes deixamos de aprender mais porque o professor não era tão bom? Ou porque não gostávamos do professor. Casualmente, as matérias que mais gostamos são aquelas cujos professores também gostávamos. E odiamos aquelas em que o professor era “ruim” ou que tínhamos dificuldade de aprender.

História de vida e autoconhecimento

Eu odiava a minha primeira professora de inglês. E eu passei a vida inteira odiando aulas de inglês, mesmo depois que tive professores maravilhosos. A maioria das pessoas odeia matemática, provavelmente porque a forma de se ensinar matemática seja débil. A matemática precisa de recursos aprendidos na primeira infância para ser compreendida no futuro e como somos deficitários com as crianças, o professor não consegue desenvolver bem o conteúdo, falta base.

Quando você é autodidata o professor, o método ou a escola não são responsáveis pela totalidade do transmitir do conhecimento. Você é o protagonista, tem a autoestima e vai procurar a forma de aprendizagem que você se identifica. E a internet e ensino a distância favoreceram isso. Hoje dá para escolher o professor de alemão com o qual você simpatiza. A ferramenta que favorece a sua própria forma de aprender. Se você é sociável e ama conversar, vai para um grupo. O tímido pode ler e assistir vídeos, escrever artigos. Quem tem memória auditiva busca um app de áudio. O visual outro app. Você não precisa ficar sofrendo para se adaptar as ferramentas e formas que outros dizem ser boas para você. Não existe ferramenta certa ou errada, mas sim a que mais se adapta a função e a sua forma de exercê-la.

Sobre aceitar e respeitar

Eu odeio falar com os outros. E eu passava a aula de inglês inteira sofrendo porque em algum momentos teríamos 15 minutos de conversação. Eu sofria 1h30min por conta de 15minutos que eu não gostava. E naturalmente, por estar sofrendo e com mecanismos de defesa ativados eu aprendia menos. Eu ficava na aula sob stress e não tem como aprender assim. Hoje eu estou estudando alemão há um mês e já arrisco algumas palavras na rua sem stress. Acredito que é porque eu estou protagonizando a minha forma de aprender, o meu ritmo e satisfazendo as minhas necessidades básicas para me sentir segura em falar em público. Principalmente, respeitando e tratando minha fragilidade (falar) com acolhimento e respeito. Assim eu consigo compensar a fragilidade e não gerar um bloqueio. Talvez eu demore mais que a média para conseguir falar alemão, mas o processo será mais gostoso.

O valor do professor e das escolas

Não se trata em minimizar o valor do professor e das escolas, mas de potencializar os resultados. Em atualizar o papel de cada um que foi destruído lá na idade média.

O professor é um facilitador da aprendizagem, ele oferece ferramentas, recursos, conhecimento, orientação. Organiza o conhecimento, as opções de experiências de aprendizagem. A escola oferece ambiente de experimentos, de trocas, ferramentas de aprendizagem que não temos em casa. Escola e professos são facilitadores, são condutores de extremo valor, mas não são protagonistas. Assim como os pais não o são.

O protagonismo é do aluno. É ele que sacia sua curiosidade, que escolhe qual forma precisa para realmente aprender. Por que assim se combate o analfabetismo funcional, o memorizar temporário para passar na prova e a falta de sentido prático para o conhecimento. O que mais os jovens falam é “para que aprender isso se nunca vou usar na vida”. Isso é totalmente desmotivante para o jovem e para o professor. Claro que o aluno não vê sentido para algo que mandaram ele aprender sem dar razões para tanto, sem mostrar o motivo para aprender. O aluno é tratado como algo vazio a ser preenchido e se sente desrespeitado e violado. E reage de forma violenta.

O adulto, consciente precisa reassumir seu papel de protagonista no processo de aprendizagem contínua. Principalmente no assunto desenvolvimento humano que não esta no currículo escolar. Precisamos sair do medievo e a forma é autoconhecimento. Assim nossas crianças não perderam essa potencialidade como aconteceu conosco.

A manutenção da habilidade de auto-aprender na criança

A criança é autodidata. E pode permanecer sendo. Precisamos lhe oferecer autonomia e confiar em suas potencialidades. Por isso que é tão importante a parentalidade consciente que respeita a criança como indivíduo, como ser humano de igual valor. Que enxerga a criança como uma alma humana tão importante quando o adulto. E que ambos aprendem e ensinam. O mestre não está acima do discípulo. Trata-se de uma dança, onde um está há mais tempo e por isso treinou mais, experimentou mais e tem mais ferramentas. Mas o mestre aprende com o discípulo assim como este aprende com o mestre. É dança, é troca, é colaboração, é bilateral. O autoritarismo é limitante, é ferramenta de ignorância. O desenvolvimento humano não é unilateral.

E quando compreendemos isso conseguimos assumir que a criança não depende da escola e do professor para aprender. Sua autoeducação lhe pertence e ele se desenvolve em qualquer lugar, na escola, em casa, na rua, nas férias. E não precisamos mais separar estudar de lazer, porque são uma coisa só. Aprender é lazer, é gostoso e não é fardo. Se é fardo é porque estamos fazendo errado. Precisamos que a criança tenha prazer em ir para a escola e volte de lá com olhos brilhando. E precisamos fazer com que ela não tenha a separação clara entre ambiente de aprender e ambiente de viver. Porque viver e aprender andam juntos, não há sentido em separar.

A boa escola

Só teremos boas escolas quando pararmos de tratá-las como única fonte de aprendizagem e a colocarmos como ambiente de lazer que proporciona experiências positivas e não traumáticas. Que respeite a inteligência de cada ser humano, os gostos, as fragilidades e potencialidades o ritmo de cada um. Que possamos enxergar cada um como único, com necessidades próprias. Precisamos parar de enjaular as pessoas em caixas como se fossem peças iguais de lego. Não somos legos, somos humanos.

Quando o adulto assume seu potencial de autodidata e resgata o prazer da aprendizagem no cotidiano, ele vai transmitir essa postura para a criança que vai confiar mais em si e manter a chama do conhecimento, da busca da sabedoria acesa e isso construirá um mundo mais belo, justo e bom.

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