Não permitimos crianças
Não permitimos crianças é uma frase que gera muito sofrimento às mães e na maioria dos casos não precisaria existir.
Privações
Quando temos filhos pequenos nos privamos de muitas coisas. Das coisas mais básicas, como ir ao banheiro, às mais profundas, como nossa própria identidade. Parte dessas privações são necessárias, mas há uma parte desnecessária e dolorosa.
Quando temos filhos pequenos nos privamos de sair com amigos, de ir a lugares que não são adaptados para portadores de filhos. Cursos, palestras, eventos sociais, comerciais, culturais. E essas privações deixam as mães alienadas, separadas de si mesmas pela maternagem. Isso gera angústia, sofrimento e dor. Porque, sim, precisamos abrir mão de algo nosso para criarmos filhos, mas precisamos manter nossa identidade para termos um eixo que sustente quem somos e o que podemos ofertar.
Há os lugares que assumem a frase não permitimos crianças, e outros que não assumem, mas deixam claro que elas não são bem vindas ou são tratadas de forma humilhante. Claro que não estou falando em lugares de risco como hospital, motel, fábrica, boates. Mas lugares do dia a dia.
Não permitimos crianças e azar das necessidades das mães
Mães precisam fazer coisas do dia a dia de pessoas normais, pois não deixam de ser gente. Precisam fazer as coisas que sempre fizeram e para tanto precisam levar as crianças junto. Academia, supermercado, restaurante, padaria, evento cultural, palestras, cursos, são apenas parte do que deixamos de fazer por não conseguirmos levar as crianças.
Já fui em restaurantes e eventos culturais que não tinham trocador. Já fui em loja de criança que, pasmem, não tinha trocador. E tem os que possuem, mas são fedorentos. Sim, já fui em loja infantil com fraldário fedendo a cocô. Gente, não gostamos de ir a banheiro fedido, muito menos deixar nossos pequenos e indefesos bebês em um lugar fedorento. Já fui em locais que o fraldário ficava isolado no último andar junto com o estacionamento. Como uma mãe vai ir com um bebê todo sujo de cocô, pagar suas comprar, pagar o ticket do estacionamento para então ir ao trocador? Insano.
Mães não conseguem fazer almoço, elas precisam ir a restaurantes. Só que eles não tem espaço para o bebê conforto ou carrinho, e alguns nem cadeirinhas de criança tem. Quando tem são sujas e não adequadas à idade das crianças.
Palestras e cursos? nem pensar. Já fui em evento de trabalho quando gestante em que não me deixaram entrar com água. Gente, gestante precisa beber água, muita água.
Academia? impossível. Ou encontro uma atividade “mãe e bebê”, ou permaneço sedentária. Não há academia que contemple um espaço que possamos ir com um carrinho e claro, não há trocador.
Vamos repensar o Espaço kids?
E quando se pensa em espaço kids eles estão mais para depósito de abacaxi do que um espaço respeitoso para nossas crianças. Carrinhos de super são rasgados e sujos. Poucos supermercados dão protetor para o bebê conforto dos carrinhos, e estes são duros e desconfortáveis para os bebês. Tem aquelas lojas que oferecem uma jaula cheia de distrações de qualidade duvidosa e que cobram muito caro para o pouco benefício. Há ainda os que tem espaços sem segurança com brinquedos quebrados e sujos. Isso não é ser baby friendly, child friendly, isso é falta de respeito.
Não permitimos crianças pois elas incomodam.
Elas incomodam então não permitimos crianças. Claro que sim. Como queremos que elas não incomodem se o que oferecemos é um ambiente hostil. Se as depositamos às margens da sociedade, em cantos longe de nós para não sermos atrapalhados ou interrompidos?
Incomodam porque são marginalizadas
Se a criança é deixada à margem do mundo adulto ela não vai aprender a respeitar esse mundo. Vai se sentir menosprezada e vai fazer tudo para chamar a atenção, o que geralmente é o motivo para o mau comportamento.
Se no restaurante o bebê não participa do ritmo da refeição e é distraído com tablet, à margem do que acontece ali. Se a criança não senta para esperar a refeição, ganha um prato que vem antes, cheio de comida de baixo valor nutritivo, termina rapidamente de comer e é levada para um lugar à margem para que adultos comam em paz. Essa criança não vai aprender a se portar no restaurante, não aprenderá a esperar, a conversar na mesa, a esperar os demais terminar a refeição e a experimentar novos sabores. Quando colocada longe, ela não observa como todos se comportam e não aprenderá a fazê-lo. Criamos assim um abismo entre o mundo infantil e o adulto que, povoavelmente, será um atraso no desenvolvimento humano da criança.
Aprendizado é exemplo e prática. A criança não terá nosso exemplo se for calada com um tablet ou enjaulada.
E se o adulto não tem energia para ficar com sua criança durante uma refeição, precisamos criar essas condições.
É difícil, desafiador, mas se queremos formar seres humanos, precisamos vencer nossas limitações, precisamos acolher nossas crianças para que participem e aprendam com o mundo. Precisamos de ambientes que nos façam fraternos, que nos unam e não que nos afastem. É isso que vence a intolerância e ensina respeito mútuo.
Quer um exemplo prático?
No post Acolhendo as crianças relato uma experiência sobre isso.